3.2.13

O massacre de Batepá



Republicação actualizada de um texto de Diana Andringa, publicado originalmente em Caminhos da Memória.

Completam-se hoje 60 anos sobre os acontecimentos que ficaram conhecidos como Massacre de Batepá. Agitando o perigo de uma conspiração comunista visando criar um governo dos nativos de S. Tomé, o governador Carlos Gorgulho fomentou uma onda de repressão que resultou num número ainda hoje indeterminado de mortos. 

Muitos foram abatidos a tiro, em verdadeiras caçadas levadas a cabo por milícias de voluntários. Diversos foram queimados. Alguns morreram asfixiados em celas demasiado pequenas para o número de presos que continham. Muitos foram sujeitos a trabalhos forçados na praia de Fernão Dias. Um dos castigos consistia em «vazar o mar»: presos com correntes, eram obrigados a entrar no mar para encher grandes selhas de água salgada, apenas para as despejar em terra, pouco depois. 

Interrogados sob tortura, chicoteados, submetidos à utilização de uma cadeira eléctrica, os presos eram obrigados a confessar o seu envolvimento numa revolta que pretenderia matar o governador e os colonos e distribuir entre si as mulheres brancas. Mais tarde, a própria PIDE havia de negar a existência da conspiração referida pelo governador.

Crónica de uma guerra inventada, de Sum Marky, retrata esses acontecimentos, a que poetisa Alda Espírito Santo dedicou, entre outros, o poema Onde estão os homens caçados neste vento de loucura:


O sangue caindo em gotas na terra

homens morrendo no mato

e o sangue caindo, caindo...

Fernão Dias para sempre na história

da Ilha Verde, rubra de sangue,

dos homens tombados

na arena imensa do cais.

Ai o cais, o sangue, os homens,

os grilhões, os golpes das pancadas

a soarem, a soarem, a soarem

caindo no silêncio das vidas tombadas

dos gritos, dos uivos de dor

dos homens que não são homens,

na mão dos verdugos sem nome.

Zé Mulato, na história do cais

baleando homens no silêncio

do tombar dos corpos.

Ai, Zé Mulato, Zé Mulato.

As vítimas clamam vingança

O mar, o mar de Fernão Dias

engolindo vidas humanas

está rubro de sangue.

- Nós estamos de pé -

nossos olhos se viram para ti.

Nossas vidas enterradas

nos campos da morte,

os homens do cinco de Fevereiro

os homens caídos na estufa da morte

clamando piedade

gritando pela vida,

mortos sem ar e sem água

levantam-se todos

da vala comum

e de pé no coro de justiça

clamam vingança...

... Os corpos tombados no mato,

as casas, as casas dos homens

destruídas na voragem

do fogo incendiário,

as vias queimadas,

erguem o coro insólito de justiça

clamando vingança.

E vós todos carrascos

e vós todos algozes

sentados nos bancos dos réus:

- Que fizeste do meu povo?...

- Que respondeis?

- Onde está o meu povo?

...E eu respondo no silêncio

das vozes erguidas

clamando justiça...

Um a um, todos em fila...

Para vós, carrascos,

o perdão não tem nome.

A justiça vai soar,

E o sangue das vidas caídas

nos matos da morte

ensopando a terra

num silêncio de arrepios

vai fecundar a terra,

clamando justiça.

É a chamada da humanidade

cantando a esperança

num mundo sem peias

onde a liberdade

é a pátria dos homens...



               (É nosso o solo sagrado da terra)
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