14.6.14

O mundial também é isto

Paris, há 74 anos



Em 14 de Junho de 940, o exército alemão entrou em Paris, de onde já tinham fugido dois terços da população. Como primeiro acto da ocupação foi retirada a bandeira tricolor do Ministério da Marinha e colocada uma com a cruz gamada no cimo do Arco do Triunfo.

Neste vídeo (mudo) podem ser vistas imagens filmadas pelos serviços cinematográficos alemães:






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Lido por aí (55)


@João Abel Manta

* Herberto e os cálculos editoriais (António Guerreiro)

* Manuel Valls: «La gauche peut mourir»

* Podemos como laboratorio político (José Ramón Montero)
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Está a acontecer-nos



Nicolau Santos, no Expresso diário de ontem:

«O ajustamento a que o país foi sujeito era necessário? Era. Partiu de uma análise correta das especificidades da economia e da sociedade portuguesas? Obviamente que não. E assim, depois de três anos a aumentar impostos, temos a quarta maior carga fiscal da União Europeia, com os piores rendimentos médios per capita dessa mesma União. Os cortes nos salários dos funcionários públicos e os que se reformaram colocaram a despesa pública salarial claramente abaixo da média europeia. E temos hoje uma administração pública mais eficiente e amiga dos cidadãos? Temos menos Estado mas melhor Estado? Qualquer pessoa vê que não. (...)

Em matéria de desemprego, há um aforismo criado pelos americanos. Quando é despedido alguém que não conhecemos trata-se de um abrandamento económico. Quando é despedido alguém que conhecemos é uma recessão. E quando somos nós os despedidos estamos perante uma depressão. Não há nenhuma família portuguesa que não tenha hoje algum familiar muito próximo que não esteja no desemprego. (...)

O ajustamento económico devastou a organização da nossa vida em sociedade e devastou a nossa população activa. Há quem tenha esperança e diga que vai levar anos a recuperar. Mas há quem se lembre bem das palavras do primeiro-ministro – só saímos daqui empobrecendo – para concluir que todas estas tendências vieram para ficar. Por décadas. E só poderá haver algum alívio se a Europa mudar de direcção e perceber que por este caminho está a condenar toda a periferia da zona euro ao inferno de Dante.»
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13.6.14

As marchas populares na minha terra



Tenho um pequeníssimo espólio de recordações da minha infância passada em Moçambique, mas a minha mãe nunca se desfez destas «Marchas Populares» – com letras e partituras – que, segundo sempre a ouvi repetir, tiveram um sucesso inesquecível na bela cidade das acácias vermelhas.

Em 1945, quando o mundo punha termo à Segunda Guerra, os portugueses de Lourenço Marques (os brancos, evidentemente) desfilavam pelas ruas em representação dos «seus» sete bairros (Alto Maé, Baixa, Carreira do Tiro, Malhangalene, Maxaquene, S. José de Lhanguene e Polana).

Mas, no cortejo, havia também «uma marcha sobre um motivo indígena». Trocado por miúdos, uma marcha de «pretos» e para «pretos», na língua nativa (shironga).



Uma festa de brancos, com um apêndice para os outros. Colonialismo soft? Inconsciente para muitos, confortável enquanto foi possível – à portuguesa. 
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É dia delas



... e estão óptimas, não há crise que as roube.
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Lido por aí (54)

Tempos de desmaio



António José Teixeira, no Expresso diário de ontem, volta ao tema do discurso de Cavaco e merece ser lido. Alguns excertos:

«Neste ano de 2014, conquistámos o direito a ter esperança.» Ouvi, li, reli e não gostei. As palavras de Cavaco Silva, proferidas no dia em que celebramos Portugal, repousam naquela ideia nunca assumida, mas sempre implícita, de que cumprimos um castigo pelos nossos pecados. Vivemos acima das possibilidade, abusámos. Logo, teríamos de expiar a nossa culpa. Três anos de punição, também chamados de ajustamento. Agora findos, poderemos então acreditar em melhores dias. Antes não. Esperança só depois do sacrifício. Durante o sacrifício até a esperança se veda. Só deste modo se tomaria consciência do tamanho da culpa. (...)

Dizer-se que conquistámos este ano o direito a ter esperança não é um reconhecimento de facto. É a ilusão de um êxito que tem pés de barro, apesar de todos os relógios e elogios oportunistas. O que temos pela frente não é muito diferente dos últimos anos. Credores e pacto orçamental não se cansam de o lembrar. (...)

Parados, espera-se crescimento e emprego. Aguarda-se por uma Europa pasmada, dividida, mesquinha, todos os dias empenhada em se apoucar, velha e nem por isso sábia, vergada ao peso da sua história e sempre tentada a não aprender com ela. (...)

Não se vislumbra qualquer compromisso com o País. Pelo contrário. As palavras de todos os dias são de desprezo pelos portugueses e pelas suas instituições. Não faltam exemplos dos de cima aos de baixo. Somamos crises à crise financeira e económica. Os de cima não percebem que já há pouco cimento a prendê-los aos de baixo. O regime abre brechas indisfarçáveis. A nomenclatura entretém-se em fogos de artifício. Especializa-se no tiro no pé. De vez em quando apela a consensos. Mas já nem ela acredita no que diz.

Retiraram-nos a esperança e agora querem iludir-nos com a conquista do direito a ter esperança. A esperança, dizia Borges, é um dever. Um dever árduo, permanente, mesmo que tantas vezes impossível. Importam-se de nos respeitar um pouco? Será que nos importamos em nos dar ao respeito?»
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12.6.14

Hoje a noite é dele



... amanhã não sabemos.
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E sobre o Mundial...



Ricardo Araújo Pereira, na Visão de hoje:

«De acordo com os jornais brasileiros, alguns estádios ainda não estão prontos, o que representa um motivo de orgulho para Portugal. Significa que os brasileiros retiveram algumas das nossas características mais encantadoras. O destino deste mundial começou a ser traçado em Tordesilhas, há 520 anos. (...)
Parece que os manifestantes preferem hospitais e escolas para acolher condignamente os cidadãos a estádios para acolher condignamente o Bósnia e Herzegovina – Irão. Confesso que não sei a quem é que eles saem assim. Alguma coisa correu mal na nossa colonização.» 

Na íntegra AQUI.
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Quando a Europa salva os bancos




... quem paga? 
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A «esperança» de Cavaco e o desespero de outros



A «vaga de fundo que atingiu Cavaco no passado dia 10 e as polémicas que se seguiram foram tão fortes que desviaram as atenções do inaceitável discurso que fez na sessão solene. O tema foi «esperança», palavra que usou 18 vezes em 14 minutos, as afirmações foram no mínimo ofensivas para os portugueses que continuam sem ter razões para a ter.

No dia seguinte, ontem, a Controlinveste (que abrange DN, JN, TSF e O Jogo, entre outros) fez um despedimento colectivo de 140 colaboradores e anunciou uma rescisão amigável com mais 20.

Proponho um exercício ao presidente da República: convoque estas 160 pessoas, e respectivas famílias, e repita, olhando-as de frente, que «conquistámos o direito a ter esperança» e que será possível, agora, «olhar o futuro com renovada confiança». Porque, o estado de espírito de cada uma dessas 160 pessoas é aquele que Pedro Santos Guerreiro retrata bem, no Expresso diário:

«Hoje. Ao fundo, um homem sai de um gabinete. O gabinete do chefe. Do ex-chefe. Do ex-chefe que ainda é chefe, ex é ele: ex-empregado. Acaba de ser despedido. É um de um rol de muitos, um nome a mais numa lista, uma fila a menos numa folha de cálculo. Sai calado, pelo espaço aberto, outros olhos viram-se primeiro para ele, depois para baixo. Outro nome é chamado, lá vai ele, o mesmo gabinete, o mesmo destino. Hoje a empresa não é uma empresa, é um matadouro. Morrem empregos. Saiu nas notícias e tudo. É um dia na vida.
A vida já continuará, mas hoje não. “Fui eu? Foram eles? O que fiz de errado? O que farei agora? Como vou dizer? Como vou fazer? Quero um abraço. Não quero ver ninguém. Quero viver. Quero morrer. Merda para isto. Respira fundo. Mas para quê? Rosna. Chora. Põe-te de pé! Desaba… Com esta idade? Com esta idade.”»

Hoje, somos todos empregados do DN, do JN, da TSF. Muitos estarão presentes numa manifestação de solidariedade com os despedidos, convocada por colegas jornalistas que se sentem impotentes mas que não querem deixar de estar presentes.

Hoje, lamentamos ter um presidente inapto, não porque desmaia, mas porque é incapaz de interpretar os sentimentos do povo que (infelizmente) o elegeu e se identifica, apenas e totalmente, com as políticas assassinas de quem nos desgoverna. 
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11.6.14

Phone home...



Sim, o filme, o E.T., faz hoje 32 anos: foi lançado em 11 de Junho de 1982. Alguns meses depois, antes do Natal do mesmo ano, essa belíssima história de amor teve estreia em Portugal e fez chorar os mais pequenos (e os mais crescidos também...)

Logo no ano seguinte recebeu Óscares para melhor banda sonora, melhores efeitos especiais, melhores efeitos sonoros e melhor som. Foi um extraordinário sucesso em termos de bilheteira, até ser batido por mais um filme também de Spielberg – Jurassic Park –, lançado num outro 11 de Junho (de 1993).

Quem não se lembra do desfecho do E.T.?




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Lido por aí (53)


@João Abel Manta

* Los suicidatas (Aníbal Malvar)

* The Dark Side of the Qatar Dream (Christoph Scheuermann)

* O costismo (João Cardoso Rosas)
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Fechou a porta e apagou a luz


Ao contrário de outros movimentos sociais, que arrastam vidas fictícias, mérito para o 3D que fechou a porta e apagou a luz:

BALANÇO E CONCLUSÃO DO MANIFESTO 3 D.

Europeias, PCP e o resto



Finalmente, no rescaldo das Europeias, um texto sobre as esquerdas com que concordo integralmente. (Os realces são meus e assinalam o que me parece ser o cerne de algumas questões.)

Adelino Fortunato, hoje, no Público:  

O fascínio pelo PCP

A subida de votação nas europeias e uma aparente coerência do discurso de tom crítico em relação ao euro estão a dar ao PCP uma oxigenação política que há muito não sentia. Observadores de vários quadrantes não se cansam de elogiar o desempenho da CDU.

O caso não é para menos, considerando o acréscimo de mais de 35000 votos em relação a 2009, num contexto marcado pela abstenção e pelas ameaças populistas, e considerando que o PCP não costuma tirar partido da volatilidade eleitoral e das transferências interpartidárias, uma vez que a sua arma principal reside no efeito fidelidade de uma base de votantes fixa.

Porém, a maioria das vozes citadas não faz referência ao aspecto que melhor justifica aquele resultado. Um período de refluxo político e social e a austeridade violenta de um governo de direita sem oposição significativa do PS, deixam todo um espaço para organizar a resistência. E o terreno da resistência é o preferido pelo partido de Jerónimo de Sousa, construído numa lógica de fortaleza permanentemente atacada durante todo o Estado Novo e de fortaleza sitiada no regime que se instituiu após o 25 de Novembro. Acresce que o PCP dispõe de um poderoso instrumento de mobilização de massas, a CGTP, que lhe permite utilizar o calor das lutas de rua canalizando-as para a pressão institucional e para o fortalecimento da sua imagem.

Tudo isto tem um preço absolutamente calculado e bastante conservador. O PCP enquadra as mobilizações e acaba por esgotá-las num ponto em que nada mais resta senão a indignação contida e a sugestão de que votar CDU é a forma de “condicionar” (expressão em voga nalgumas sensibilidades) um futuro governo PS. Que o digam os movimentos sociais, eles próprios afundados naquela exaustão, anulando-se assim uma concorrência incómoda! E será com este hipotético “condicionamento” que António Costa tentará jogar, se vier a ser primeiro-ministro, para neutralizar a oposição à sua esquerda por intermédio de um acordo com os parceiros sociais que salve a face de ambas as partes, mas que não abdicará do essencial da austeridade. Ninguém melhor que ele para fazer isso.

O problema é que a experiência do PCP não é possível de replicar por quem quer que seja, faltar-lhe-á sempre a história, a implantação e os instrumentos de enquadramento das lutas essenciais àquele jogo de cintura. Mas também não seria desejável que isso acontecesse, por que a fractura política que a suporta só tem servido para manter a base do PCP imune às influências exteriores. E num contexto em que a destruição do Estado Social está na ordem do dia e em que outras ameaças ainda mais sérias podem vir a emergir, impõe-se lutar inequivocamente contra a austeridade da direita e aquela que a direcção do PS se prepara para adoptar, mas impõe-se também uma proposta agregadora e mobilizadora do conjunto da esquerda.

Essa proposta, construída em torno de um programa de luta contra a austeridade e o Tratado Orçamental, deveria merecer a melhor atenção de todos os socialistas críticos, do Partido Comunista, do Bloco de Esquerda e restantes formações de esquerda, movimentos sociais e associações que se revejam nestes objectivos. Para contrariar a descrença e a passividade faz falta algo de novo que combine a combatividade e a firmeza com a abertura à unidade e a sugestão de eficácia que ninguém hoje isoladamente pode assegurar. E o fascínio pelo PCP não ajuda a resolver este problema. 
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10.6.14

Morrer atropelado por um eléctrico



Morte insólita teve Antoni Gaudí, a poucos dias de fazer 74 anos: ao sair da sua catedral Sagrada Familia, foi pura e simplesmente atropelado por um carro eléctrico, numa rua de Barcelona. Sem documentos nem dinheiro na algibeira, acabou por ser levado para um hospital e depositado numa ala comum reservada aos pobres.

Estranhando a ausência, os seus colaboradores localizaram-no no dia seguinte, quiseram levá-lo para um hospital com melhores condições, mas viram a proposta recusada pelo próprio e assistiram à sua morte em 10 de Junho de 1926, pelas cinco horas da tarde. Dois dias depois, uma multidão prestou-lhe uma última homenagem, num longo cortejo que acompanhou a urna até à cripta da catedral.

Polémico como poucos, odiado por alguns, idolatrado por outros, único para todos.

Numa viagem a Barcelona há cerca de um ano, vi ou revi (quase) tudo o que Gaudí por lá deixou e escrevi algumas notas neste blogue (aqui, aqui e aqui). Hoje, retomo apenas algumas fotos.





(Fonte)
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Portugal, Eldorado



Pedro Santos Guerreira, ontem, no Expresso diário:

«O Le Monde descreve hoje Portugal como “o novo Eldorado para os aposentados europeus”. Em plenos processo de cortes de pensões, a ironia não poderia ser maior. Ou mais amarga. (...)

Os exemplos multiplicam-se: os vistos gold dão acesso à União Europeia a quem “invista” pelo menos 500 mil euros, “investimento” que acabou por ser sobretudo na compra de casas; um “cérebro” atraído para trabalhar em Portugal tem isenções fiscais, estranho paradoxo num país que só vê “cérebros” sair por falta de oportunidades e por... impostos altos; um investidor estrangeiro tem via verde administrativa e capacidade de negociar incentivos e impostos à sua medida; e os pensionistas que venham viver para Portugal podem ter dez anos de isenções de impostos. Estranho, não? (...)

A criação de paraísos fiscais para pensionistas e trabalhadores estrangeiros cria assimetrias paradoxais. Qualquer dia, compensa a um português pirar-se, naturalizar-se francês e depois voltar para pagar menos impostos. É extraordinário que Portugal se torne um eldorado para estrangeiros. Que bom seria se se tornasse um eldorado para portugueses.» 
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Lido por aí (52)

Curto foi o fanico



... mas podia ter ficado para a História. 
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9.6.14

Uma maioria, um governo, um presidente, uma Constituição



Crónica de Diana Andringa, hoje, na Antena 1:

Incapaz de compreender todo o alcance da lesão de Cristiano Ronaldo – pesem embora os muitos minutos, se não horas, de televisão que lhe são dedicados – optei por leitura mais leve, embora eventualmente subversiva: a da Constituição da República Portuguesa.

Não que me queira arrogar a capacidade de sustentar intensas discussões jurídicas sobre o tema. Mas tenho por bom conselho, em tempos de acesa discussão, retornar às fontes. Uma vez que o primeiro-ministro considerou que os juízes do Palácio Ratton deveriam ser sujeitos a maior escrutínio, teria eu, por distracção, passado em claro alguma mudança do método de escolha dos juízes do Tribunal Constitucional? Mas não, lá está, na alínea h do artigo 163: dez dos seus 13 elementos são eleitos por maioria de dois terços da Assembleia da República e, na alínea 1 do artigo 222, que os restantes três são cooptados pelos eleitos. Pergunto-me se o primeiro-ministro passaria pelo mesmo crivo...

A leitura da Constituição permitiu-me ver também, no artigo 13, o Princípio da Igualdade e o artigo 19 a garantir que «os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de emergência, declarados na forma prevista na Constituição» – o que me parece que, apesar da crise, da troika, do ar grave do primeiro-ministro e do seu vice e, até, da lesão de Cristiano Ronaldo, não aconteceu.

O que aconteceu, sim, foi que se cumpriu o desejo de Sá Carneiro de uma maioria, um Governo e um Presidente e, entre os três, se tem vindo a gizar algo com que o antigo primeiro-ministro não terá sonhado – a sabotagem das bases do Estado Constitucional, limitando os direitos e garantias dos cidadãos, pondo em causa órgãos e princípios constitucionalmente consagrados, numa espécie de golpe de Estado palaciano sob a forma continuada.

Escrevendo no Jornal de Notícias, há cerca de um ano, sobre a resposta do Governo a outro «chumbo» do Constitucional, o jurista Pedro Bacelar de Vasconcelos falou mesmo de «terrorismo administrativo e financeiro». Por parte do Governo, entenda-se.

Voltando às fontes: aconselho Malaparte, Técnica do Golpe de Estado.


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Cavaco e Tomás: Manteigas os une


Quando ouvi ontem Cavaco Silva em Manteigas, saltou uma sensação de déjà vu, não porque soubesse que ele tinha lá passado a lua-de-mel (que raio de ideia!...), mas porque a minha memória recuou imediatamente 50 anos (tantos, será possível?!) e repescou um outro discurso de um igualmente inefável presidente da República, discurso esse que ficou célebre por uma daquelas pérolas tão características do raciocínio de Américo Tomás: «É uma terra bem interessante, porque estando numa cova está a mais de 700 metros de altitude.»

E se Cavaco não falou de Viriato, nem Tomás se tinha referido a «nichos de mercado», não reconheço, nas palavras de ambos, a diferença de mentalidades, que meio século de vida de um país faria esperar. Não pretendo com isto dizer que Portugal não mudou ou que a democracia que temos se assemelha ao regime político deposto em 25 de Abril de 1974, mas apenas que continuamos pequenos, «poucochinhos» – ou teríamos sido capazes de impedir a eleição de um chefe de Estado como aquele que agora temos.


(Diário de Lisboa, 31 de Maio de 1964)

Dá sempre jeito


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De regresso à barbárie



A notícia e as imagens correm mundo e o caso não é para menos: em Londres, à porta de um bloco de apartamentos, foi instalado um conjunto de picos metálicos para impedir que um sem-abrigo utilizasse o espaço para dormir.

A discussão vai longa nas redes sociais, onde as associações que se revoltam contra a iniciativa denunciam que o número de pessoas, na capital britânica, que vive nas condições da que foi agora visada, aumentou 75% nos últimos três anos.

É com pregos que se resolvem dramas sociais com esta dimensão? Parece que sim, nesta Europa do respeito pelos humanos. De regresso à barbárie, a passo acelerado.


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8.6.14

É o que dá na TV


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Lido por aí (51)

Fruta da época


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O emigrante trezentos mil e um



Na passada sexta-feira, Nicolau Santos publicou este excelente texto no Expresso diário, só acessível a alguns. Merece ficar aqui na íntegra. 

«Hoje é um dia histórico: depois de nos últimos três anos cerca de trezentos mil jovens e menos jovens terem emigrado, seguindo as sábias palavras do primeiro-ministro, para quem a emigração e o desemprego foram grandes oportunidades que se abriram no âmbito do processo de ajustamento que Pedro Passos Coelho tem conduzido também sabiamente, eis que hoje parte o emigrante trezentos mil e um.

Trata-se obviamente de um marco histórico, não só por ser ultrapassada a barreira histórica dos trezentos mil (a fazer lembrar outros trezentos que estão no nosso imaginário, como as lojas dos trezentos), como pelo emigrante que hoje parte. Trata-se não de um desempregado, mas de um cidadão empregado. E como muitos outros, é um cidadão altamente qualificado, que teve aliás a hombridade de reconhecer que o país tinha gasto muito dinheiro na sua formação, pelo que ele entendia colocar esse saber à disposição da Pátria.

Contudo, os tempos são difíceis, há filhas para criar, a carga fiscal é demasiado elevada no país (hoje também se celebra o dia da libertação fiscal, aquele em que estatisticamente, que não na realidade, deixamos de pagar impostos e na Europa só existem quatro países onde esse período acaba depois do nosso) e a reforma incerta, pelo que o cidadão em causa decidiu mesmo emigrar.

Vai, claro, ganhar mais do que ganhava no país, uns modestos 23 mil euros. O melhor, contudo, é que são 23 mil euros isentos de impostos, já que se trata de um cidadão não residente a trabalhar numa instituição internacional. E ao fim de três anos (está agora com 54) pode pedir a reforma antecipada, ou esperar até aos 65 para a receber por inteiro (70% do vencimento).

Convenhamos que é uma grande oportunidade e em vez do seu talento estiolar nos corredores bafientos da Pátria e ser remunerado mal e porcamente, não há como ir dar-lhe brilho na cosmopolita capital do país mais importante do mundo, onde se reconhece o valor de quem o tem e se paga em conformidade: muito, sem impostos e com reforma assegurada e ao abrigo de qualquer Governo que não respeita os contratos que faz com os cidadãos.

Estou certo, portanto, que todos os portugueses se associam ao voto que aqui faço de que o Prof. Vítor Gaspar tenha uma excelente viagem e que a sua passagem pelo departamento de assuntos orçamentais do FMI que vai chefiar seja coroada de enorme sucesso.

Infelizmente, admito que poucas pessoas estejam hoje no aeroporto a despedir-se do Prof. Vítor Gaspar. Mas avise-nos quando voltar. Se ainda estivermos vivos, depois dos cortes nos salários e no Estado social e do enorme aumento de impostos que se verificaram nos últimos três anos, teremos todo o gosto em ir dar-lhe as boas-vindas ao aeroporto da Portela. Temos a certeza que nos trará uma lembrança, nem que seja o estudo definitivo que nos colocará finalmente entre as economias mais prósperas do mundo (embora a vida dos cidadãos possa não acompanhar essa prosperidade).» 
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